REVOLUÇÃO
Não são os homens que revolucionam o mundo, são seus ideais.

01 novembro 2006

MANIFESTO – EU QUERO FALAR

Por favor, peço que preste muita atenção o que vou dizer. Não sei até quando estarei vivo, por isso precisarei ser breve. Mesmo que você não me conheça, mesmo que você nunca tenha visto o meu rosto, por favor, preste muita atenção no que vou lhe dizer.

Acabei de acessar o Orkut e mais uma vez li que através de todos os meus contatos estou conectado a 31.048.313 pessoas. Pensei em quantas dessas pessoas realmente conheço e quantas pessoas realmente me conhecem. Poucas.

O meio de comunicação que inicialmente tinha a premissa de aproximar as pessoas me parece que está distanciando-as cada vez mais. Não me refiro a um contato pessoalmente, muitos de nossos amigos nem se quer moram na mesma cidade, sem contar nos perigos de tais encontros.

Estou falando de ser sincero, original, pessoal. Mudam os nomes, mas não mudam as mensagens, frases com poucas palavras que dizem menos ainda. Correntes que passam dezenas de vezes por nós sem que uma vírgula seja mudada, não falamos mais o que pensamos, apenas reproduzimos o que a “maioria” está fazendo.

Alguma vez na vida você quis ser a minoria? Alguma vez na vida você quis ser diferente? Acho que sim. Todos os seres que existem na face da Terra são únicos, portanto diferentes.

O que nos aproxima uns dos outros não é a moda, não é freqüentar os bares mais cheios, não é fazer parte da galera mais popular. Simplesmente o que nos aproxima uns dos outros é a vontade de compartilhar. Isso abrange muito mais do que compartilhar alegrias, às vezes trata-se de tristezas, angústias, desejos, alguém que lhe dê atenção de verdade.

Acho que estamos esquecendo realmente quem somos, não falamos o que sentimos porque podemos ser tachados de diferentes, “alguém” disse que precisamos ser todos iguais, quem somos nós para dizer o contrário? Afinal de contas tudo nos leva a crer que somos iguais uns aos outros, gostamos das mesmas músicas, dos mesmos livros, das mesmas novelas, dos mesmos filmes, dos mesmos poemas, das mesmas roupas. Não é mesmo?

Quando alguém lhe disser o contrário, como EU, não acredite. Não acredite que mais da metade das pessoas que contraíram o vírus da AIDS estão na África, não acredite que quase 1/3 da população mundial vive em situação de miséria, não acredite que as mulheres ganham menos que os homens mesmo que as profissões sejam iguais, não acredite que a riqueza do país está concentrada em 2% da população, não acredite que mesmo após mais de cem anos da abolição da escravidão o preconceito seja latente, não acredite que o nazismo exterminou mais de 6 milhões de judeus simplesmente por serem judeus, não acredite que todos os islamitas são considerados terroristas, não acredite que a culpa por tudo isso é sua, culpabilize os governos opressores, assim eles continuam no poder e você com a consciência limpa. Não acredite nessas possíveis desigualdades sociais, porque somos todos iguais.

Quem nunca disse a frase “quando eu crescer quero ser como você”? Devíamos dizer o contrário: “quando eu crescer quero ser diferente de você”. Assim não reproduziríamos conhecimento, transformaríamos conhecimento.

O verão do ano passado nunca será igual ao deste ano, à martelada do ferreiro na barra de ferro nunca será igual a anterior, até as palavras que sempre parecem ser as mesmas ganham sentidos diferentes ao passo que são escritas ou pronunciadas.

Não sei quanto a você, mas cansei de ser igual, talvez ser diferente faça a diferença.

Peço que não copie este manifesto, não o reproduza, não o rasure, não o comente com ninguém, não o torne igual a tantos outros, deixe-o aqui, como está, cheio de erros, com suas virtudes e defeitos. Se você tem algo a dizer, diga com suas próprias palavras, use o que tem de melhor e pior dentro de si. Grite, chore, sorria, seja diferente, seja você mesmo. Às vezes individualidade não é antônimo de coletividade.

Já sei. Você está muito ocupado para falar agora. Com certeza tem neste momento um compromisso inadiável? Deve ter milhões de coisas para fazer. Não tem tempo nem para si mesmo, imagina para os outros! Quem sabe ainda não aprendeu a se expressar? É melhor comprar um cartão pronto, a mensagem já foi escrita por “alguém”. Talvez tenha medo de dizer bobagens, o que as pessoas diriam ao seu respeito se isso acontecesse?

Tudo bem, não se preocupe. As crianças que morrem de fome na Etiópia podem esperar, o mendigo deitado na calçada de sua casa pode esperar, todas as pessoas que morrem alvejadas na guerra contra o “terrorismo” podem esperar, os pacientes que sofrem nos corredores dos hospitais podem esperar, a mulher que pensa em se matar por nunca ter sentido um gesto de carinho pode esperar, a menina de dez anos de idade que vende seu corpo por R$1,99 pode esperar, até mesmo nossos filhos podem esperar. Tenho certeza que todos podem esperar até você decidir-se a falar.

Eu vou morrer, eu sei que vou morrer. Mas isso não me importa mais, de repente viver passou a ser muito mais do que o ato de respirar, algo intangível, que só se manifesta através das idéias, elas agora são filhas do tempo e só ele poderá apagá-las.

De repente eu não sou mais brasileiro, faço parte de uma nacionalidade chamada humanidade. De repente eu sou um judeu abrindo uma torneira de banho em pleno campo de concentração, sem saber se daqueles pequenos orifícios sairá água ou gás letal. De repente os gritos desesperados dos inocentes sendo massacrados atingem meus ouvidos e eu não consigo mais dormir. De repente eu não me preocupo mais qual roupa vou usar porque sei que muitos morrem de frio. De repente o pão que o Diabo amassou é muito quando não se tem nada para comer. De repente eu sou o negro que é revistado pela polícia todos os dias antes de chegar em casa depois de um dia inteiro procurando trabalho. De repente não consigo mais deixar de pensar nas crianças pegando em armas em vez de pegarem em brinquedos. De repente eu sou a mãe nordestina que deixa de comer para que seus filhos não morram de fome. De repente minhas mãos estão trêmulas porque sou um cortador de cana quase sem forças para andar depois de um dia de trabalho. De repente eu preciso pegar os restos porque eu mesmo não fiz caridade. De repente eu vejo o seu filho, sua irmã, seu irmão, caídos ao chão, atingidos pelos mísseis da intolerância. De repente eu não consigo mais respirar, não era água que saía do chuveiro. De repente eu sou você, talvez seja isso que esteja me incomodando, eu quero ser diferente.

De repente eu não consigo mais ficar calado, não consigo fingir que nada está acontecendo, não consigo dizer que isso pouco me mexe. De repente o “de repente” não passa, ele continua vivo na retina dos meus olhos, não vai adiantar eu ir tomar café, não vai adiantar eu ir tomar um banho, não vai adiantar eu ir fumar um cigarro, não vai adiantar eu tentar deixar para lá, eu sei que isso não vai passar, porque o Orkut me ensinou que eu estou conectado a 31.048.313 pessoas.

Desde o começo eu disse que seria breve no que gostaria de falar e ainda não mudei de idéia. Mesmo que nós nunca venhamos a nos conhecer, mesmo que eu não saiba a cor dos teus olhos, mesmo que eu não saiba o seu prato preferido, mesmo que eu nunca possa te abraçar, mesmo que eu nunca veja as flores do seu jardim, mesmo que eu desconheça a sua preferência sexual, ainda que sejamos completamente diferentes, não importa, eu apenas gostaria de lhe dizer: Eu te amo.

1 Comentário(s):

  • Oi, enfim vou escrever, como eu te disse né?
    Realmente..passamos nossos dias tentando ser iguais a todo mundo...porque o que é diferente assusta, impressiona, e até repulsa...no entanto,ao ler seu texo me identifico muito com o que está escrito...não quero ser mais uma mulher no meio da multidão, igual a todas outras, só mais uma q passa....quero fazer a diferença!

    By Anonymous Anônimo, at 1:08 AM  

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